O outro lado de Hannibal: a empatia pura de Will Graham - Diário de uma Lagarta

25 de junho de 2022

O outro lado de Hannibal: a empatia pura de Will Graham




Hannibal é um personagem intrigante da literatura, que foi consagrado no cinema mundial por Anthony Hopkins, em 1991, em Silêncio dos inocentes. O Dr. Lecter de Hopkins aparece pouco mais de 16 minutos no filme, tempo suficiente para render um Oscar ao ator, e imortalizar o psicopata canibal no imaginário das pessoas. Recentemente, mais precisamente em 2013, o roteirista e produtor Bryan Fuller revisitou o universo de Hannibal e trouxe para a TV uma série, também, baseada no livro Red Dragon, o primeiro livro da trilogia no qual o psicopata aparece.



O clássico perfil do psicopata que causa medo, repulsa e pavor imediatos é banhado de sutileza na série, eis o novo perigo deste tipo de narrativa. Em alguns momentos, você pode acabar torcendo pela crueldade. O desafio dos personagens que convivem com Hannibal, assim como o de quem assiste, é sentir medo de um homem refinado, elegante, persuasivo e belo, que ninguém sabe ao certo quando vai atacar.



A maldade cruel e sofisticada do personagem Hannibal Lecter, interpretado pelo ator dinamarquês Mads Mikkelsen, nesta nova versão, em momento nenhum leva o público a comparar interpretações com o clássico psicopata de Hopkins. Na série, diferentemente do filme, o telespectador faz um mergulho mais profundo com os personagens através de um mundo insano de percepções, questionamentos filosóficos e conflitos de personalidade, apresentando personagens fora do padrão de psicopata vilão e agente do FBI herói que prende o criminoso e salva a mocinha. Fullher traz uma nova roupagem para o clássico dos cinemas, com um trillher psicológico sombrio e perturbador.

O Will Graham é um dos personagem centrais do livro Red Dragon, agente especial do FBI e caçador de serial Killers. Casado, cidadão acima de qualquer suspeita, pai, possui uma percepção apurada, mas nada fora dos limites da normalidade. Nos cinemas, este personagem foi interpretado por Edward Norton no filme Red Dragon, 2002, uma tentativa frustrada de reavivar e dar continuidade ao grande sucesso que foi Silêncio dos Inocentes.



Já o Will Graham, de Bryan Fuller, interpretado pelo ator Hugh Dancy, apresenta o lado oposto da psicopatia, uma empatia total e angustiante. Ele começa a série solteiro, professor da academia do FBI , estranho e sem qualquer traço de bom 'mocismo' social, típico do personagem retratado nos cinemas.





Ele tem um distúrbio de personalidade chamado na série de "empatia pura", uma capacidade quase sobrenatural de se colocar no lugar do outro, de sentir como o outro de se perceber como o outro, fato esse que leva o personagem a se isolar, a não olhar nos olhos das pessoas, a se esconder do mundo por medo de sofrer ou entrar em colapso. E em alguns momentos, podemos pensar que ele será de alguma forma o equilibrador perfeito para a psicopatia de Hannibal, se empatia é o que falta no psicopata, ele tem de sobra.




Mas é justamente através da "amizade" com Hannibal que fica claro o quanto essa personalidade empática sem restrições é tão disfuncional quanto a psicopatia. A relação entre os dois personagens centrais é incômoda, mas assustadoramente cativante. Aos poucos, com muita insistência, Will vai se "abrindo" ao mundo através do FBI e do seu psiquiatra. Certamente temos uma visão pré-concebida dos personagens desse tipo de enredo, e esta visão é reformulada ao longo dos diálogos impecáveis, entre uma sessão de terapia e um assassinato, entre um jantar preparado pelo psicopata, e uma noite de sono mal dormida do Will.



O que no início da série poderia ter gerado uma certeza de oposição e de que essa oposição era convencional, ao decorrer dos capítulos, nem o próprio Will sabe mais. O que alguns chamam de dom, ele enxerga como maldição, já que ao traçar os perfis dos criminosos ele se imagina matando as pessoas, como se fosse o assassino. A linha que separa sua empatia pura dos limites morais de certo e errado parece fina.


Temos a nítida sensação de que Graham está sempre olhando para o abismo e inevitavelmente este abismo o olha por dentro e o modifica. Como uma crisálida o personagem passa por uma metamorfose ao absorver outras percepções como se fossem suas, não conseguimos ter certeza se o que vai sair do casulo é uma borboleta linda e colorida ou mariposa feia e assustadora. E é esta característica do Will que cativa a atenção de Hannibal e a nossa.


Cada vez que ele encontra o método preciso dos assassinos que procura para prender, temos um misto de sensações perigosas: o bem venceu o mal, ou não existe essa divisão? O que fica bem claro é que, prender o psicopata da vez, é o que importa ao FBI, mesmo que isso custe o equilíbrio mental já limitado do professor/investigador.




Will Graham consegue levar o telespectador a se interessar por uma personalidade pouco interessante aos olhos naturais, tida a grosso modo, como uma personalidade de perdedores, aqueles que sentem demais, que se afetam demais, são tidos pela sociedade como seres de menor importância, não é de se espantar que os psicopatas façam sucesso e atraiam mais olhares, ainda que todos saibam exatamente o seu papel. Fazendo reservas entre ficção e realidade, existem pessoas empáticas ao extremo na vida real, tanto quanto existem psicopatas.

É esta personalidade metamórfica que faz o personagem Will Graham ser rico e cativante tanto ou mais que Hannibal, ele não divide atenções com o psicopata, ele contribui para o enriquecimento da trama. Ele quer desafiar o público a perceber detalhes, a olhar para o outro lado nas sutilezas, ainda que num enredo sombrio e insano. Ainda que sejam duas partes diferentes da mesma moeda.


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